querermos cantar, querermos tocar, querermos escutar.

terça-feira, 17 de maio de 2011

a surdez de nara.

Abre os braços, senta de bruços e começa a chorar. Ao se derramar cada lágrima, uma gota de luz se faz no brilhar do sol. É a menina, tão pequena e tão imensa, tão frágil e feminina, despedaçando-se ao redor dos LP’s do Mautner e da Elis. A Nara, sua cara de leoa, seus olhos de cachorra perdida, sofrendo a cada instante pelo cheiro desgovernado do mundo. Não se vai, anda passo por passo e sente em seu coração o compasso daquilo que é. Menos de mil anos, mas muito tempo. Muito, muito tempo, tanto que nunca poderá ser imortal. Imortal no sentido figurado, aquilo que transparece o coração que é. Senta e chora na poltrona do canto esquerdo, sempre esquerdo. Poltrona listrada, tantas listras que não se acabam no fim, que reverberam ainda na canção visual dos seus dedos, das linhas da sua vida e que se propagam nos espaços dos seus átomos. Átimos de auto-piedade e de um amor próprio que sente no âmago do seu ser um tum-tum, tum-tum que faz a volta atrás da formação rochosa que embala o seu sono. É muito pouco tempo que se tem para se descansar de viver, de sentir em si as palmadas, batucadas e cortes profundos da faca de dois gumes que nos é dada assim que desgrudamos o primeiro cílio. Tempo pouco para poder respirar profundamente e seguir, pé-ante-pé, na corda bamba que bamboleia o nosso equilíbrio. E aquilo que se tem de eqüestre fica lá pelo pasto, a aninhar o feno e resguardar o som mastigativo do capim que alimenta o nosso ser. É de um querer gritar que não tem fim e não tem como, que não tem o som mastigativo de um chiclete, que não tem a crocância de uma castanha fresca, de um osso recém-nascido no ombro, a clavícula esquerda que se foi embora para um lugar distante ao som do “crack” aos nove anos de idade. Tudo isso faz parte dela agora, mesmo com seu rosto derretendo-se nas lágrimas negras ao som de um canção em espanhol que a abraça e afaga o seu choro, o seu rosto, que acaricia os seus seios e lhe faz sentir bem, bem no fundo, um bem que não se mede. Nunca mais vai dormir. Vai pensar naquilo que lhe fez jogar os LP’s ao deus-dará, vai se arrepender e depois se resguardar para a culpa, ignorá-la, deixá-la dançar com seus braços sem nem mesmo ter seus braços envoltos. A culpa que dance, e cante, e rebole com seu gingado atordoado, mas que fique em silêncio, pois é quando se silencia que se mata a culpa de não ouvir o que não se tem como ouvir. A surdez de Nara nunca será castigada.

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