Entre algumas tribos roqueiras de Belém, capital do Pará, o nome de Vladimir Cunha é pronunciado quase que com um rosnado. De traidor a oportunista, ele já foi acusado de quase tudo pelos roqueiros da cidade. Tudo porque Vlad ousou dizer que o rock de Belém é uma espécie de ‘zumbi que se arrasta pela cidade’, numa resenha para a revista Rolling Stone.
Como se não bastasse, ele e Gustavo Godinho empreenderam uma cruzada pelo território das festas de aparelhagens em Belém. Saíram de lá com o documentário “Brega S.A.” que, entre outras coisas, mostra como os produtores do tecnobrega, o ritmo eletrônico da periferia de Belém, aprenderam com muito mais propriedade a lição do ‘faça você mesmo’, herdada dos punks. Nesse mercado não há espaço para gravadoras ou coisas do gênero. A música é feita num quartinho qualquer, copiada, levada para o camelô, que a pirateia, depois segue para as aparelhagens e a festa começa. Os músicos vivem dos shows. Sem atravessador.
O documentário “Brega S.A.” capta esse momento revolucionário do mercado musical em Belém e mostra que o futuro já começou. E ele passa por essa relação entre artista-camelô. A pirataria se torna aliada, não inimiga. O documentário já foi exibido na MTV e está disponível para download gratuito no http://www.greenvision.com.br/brega. É sobre a produção desse documentário, que já está disponível também em bancas de camelôs na cidade, que Vlad Cunha fala para o Scream & Yell.
Qual foi o olhar que vocês pretenderam lançar sobre o brega? O que o diferencia de outros olhares?
Eu não sei se o nosso olhar é diferente dos outros, mas o filme não é exatamente sobre o tecnobrega e sim sobre o modo de produção dele e sobre a estrutura de produção, divulgação, distribuição e venda que o cerca. Para a gente a questão da informalidade no centro da cidade, os problemas socioeconômicos de Belém e a relação das pessoas com a música são tão importantes quanto as festas e a musica em si. Então assim, por conta disso, tem algumas coisas que a gente descartou logo de cara, tipo contar a história das aparelhagens ou a história do brega em Belém. Isso para a gente não interessou muito, tanto que ela aparece apenas como explicação para que as pessoas possam entender de onde veio o tecnobrega e as aparelhagens. Preferimos tratar o tecnobrega com um fenômeno fechado dentro de si mesmo e mostrar todas as suas ramificações musicais, culturais e socioeconômicas.
Como tu avalias esse formato de criação, difusão e distribuição da música em relação ao atual mercado discográfico?
A indústria musical é falida, né? É produto de um sistema auto-indulgente, meio paquidérmico, que não percebeu que estava cavando a própria cova. Basta ver que, diferente dos anos 90, os grandes projetos musicais não são mais bancados por gravadoras e sim por corporações. Como o dinheiro do ‘jabá’ sumiu, quem agora financia a carreira dos artistas são as corporações. E aí tu tem uma marca de refrigerante produzindo programa musical, telefonia celular bancado ‘reality show’ com banda e etc. Por outro lado, não acredito que o sistema criado pelos artistas de tecnobrega seja a saída. Acho que ele é um sistema possível de ser aperfeiçoado. Até porque, na maioria das vezes, o artista não se beneficia em nada da pirataria. Tem artista de tecnobrega que grava uma musica de brincadeira, estoura na pirataria, mas não tem grana pra montar uma banda e ganhar dinheiro com show. E às vezes não tem nem repertório, só uma musica que estourou.
Então essa formula produção musical + divulgação na pirataria = grana com shows, muitas vezes não funciona. Por isso eu acho cedo demais para sair soltando foguete apontando a pirataria como o grande salvador da indústria musical. Até porque nem todo mundo pode fazer parte dessa formula. Imagina os Beatles, uma banda que lançou seus melhores discos quando não fazia mais shows. Como eles sobreviveriam hoje? Ou mesmo projetos feitos exclusivamente para o formato LP ou CD, como os discos de dub do Billlaswell, o Steely Dan a partir do meio dos anos 70 ou o Gorillaz?
Não dá para dizer que essa fórmula seja aplicável a todos ou que seja a única solução possível. Por outro lado, a pirataria democratizou a informação e a cultura nas classes C e D de uma maneira que seria impensável há dez anos. Isso é fantástico, saber que um comerciário, uma doméstica, um pedreiro… que essas pessoas, por causa da pirataria, agora tem poder de escolha, que podem ver o filme que quiser, comprado a 3 reais, no DVD player parcelado em 12 vezes na Yamada, saca? Saber que essas pessoas não são mais vítimas da monocultura, que tem poder de escolha, ainda que sob um viés meio torto. Porque ninguém pensou no peão de banho tomado que juntava seu dinheirinho e ia ver “Stallone Cobra” no Iracema por um preço que ele podia pagar e que ficou desamparado quando os cinemas saíram da rua e foram para os shoppings, cobrando um preço proibitivo para quem vive de salário mínimo. Nenhuma loja de CD ou DVD fez seu mea culpa admitindo que 40 reais num CD ou 70 num DVD era um absurdo. Obviamente as pessoas tem vontade de consumir cultura e entretenimento. E como não podiam pelas vias oficiais, encontraram na informalidade o seu grande aliado.
Em outras praças há uma aproximação maior de bandas pop rock com estilos que teoricamente são distantes. Um exemplo disso é o Bonde do Rolê, com o funk carioca. Aqui isso é possível? É uma alternativa? Há resistências?
O roqueiro paraense, no geral, é muito indigente e conservador. Fica preso nas suas próprias formulas - que, aliás, nunca deram muito certo - por isso acho difícil surgir um Bonde do Role ou CSS paraense. Se surgir, ótimo. A cena local anda medíocre demais.
Como foi o processo todo que resultou nesse documentário? Como está prevista a distribuição dele?
Efetivamente a gente passou dois anos gravando, pagando o filme do próprio bolso, já que decidimos realizá-lo sem dinheiro publico. Inicialmente o filme será exibido na MTV Brasil a partir do próximo dia 03. Essa versão para a emissora vai estar para download gratuito no site do filme. Mas, em seguida, vamos lançar um DVD com uma versão mais longa e extras.
Dá para olhar o tecnobrega e fugir do olhar exótico que acompanha quem vem de fora? Ou seja, para quem mora aqui o tecnobrega às vezes pode ser insuportável, mas para quem vem de outras praças se torna curioso. Dá para equacionar essa diferença?
Bom… eu não acho que o tecnobrega seja exótico, entende? Do mesmo jeito que não acho que o reggaeton, o banghra, o garage ou o dancehall o sejam. Eu acho, sim, que ele é mais um ritmo digital e urbano do século XXI, feito para a pista, mas com um pé no terreiro. Essa ideia de que o tecnobrega é um exotismo que tem vida curta só existe em Belém. Se tu conversares com o DJ Dolores, o João Brasil, o Guga de Castro, o Miranda, ou seja, qualquer pessoa ligada a produção musical e que se interesse por tecnobrega vai ver que não existe o interesse pelo exotismo e sim por um ritmo de pista viável dentro dessa nova configuração da música pop dos anos 00. Para mim não existe diferença entre o que os caras do eletromelody fazem aqui e o Diplo, por exemplo, que faz música eletrônica e é considerado cult. É tudo música rápida para dançar e com vida curta. A lógica é a mesma, o método de produção é o mesmo. Só muda a língua.
O que o tecnobrega e suas variantes tem para mostrar ou ensinar a quem lida com música no Pará?

É engraçado o entrevistador falar de "música exótica". Fico me perguntando o que ele considera exótico...
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